quarta-feira, 29 de junho de 2016

Brincadeira virtual, perigo real: vamos falar sobre exposição das crianças na internet?


“Já pensou se a gente pudesse assistir agora a toda nossa infância, os primeiros beijos atrapalhados da adolescência, os vestidos bufantes das festas de 15 anos, as noites viradas nas casas das amigas conversando até amanhecer, rever o menino mais bonito da escola vestido de mulher na gincana de 1993? Não estou falando de fitas VHS toscas nem de ajustar o tracking do videocassete, mas sim de filmes em HD, editados com legendas, artes espertas e muitos emoticons. Em menos de dez anos nossos filhos vão ter acesso a uma infinidade tão grande de imagens suas e de seus amigos que poderão fazer longas metragens e até mesmo séries sobre suas vidas. Mas e se, no meio do caminho, alguém filmar uma filha sua em algum momento mais íntimo e isso for compartilhado em grupos da escola, grupos de pornografia de pedófilos, abusadores, do seu próprio marido e de pré-adolescentes que não ainda aprenderam o que é um espermatozoide? Perco horas pensando em como falar em tom não professoral com as crianças de dez anos ou mais. Não quero parecer uma inspetora de colégio de freiras quando explico que consentimento é a palavra de ouro.”

O trecho acima, retirado de uma crônica do livro A Mamãe é Rock, da jornalista e socióloga Ana Emília Cardoso, reforça um alerta para um perigo cada vez mais iminente na rotina dos nossos filhos: asuperexposição na internet.

Pais orgulhosos publicam fotos em suas redes sociais, muitas vezes sem se dar conta de determinadas situações que podem permitir a utilização das imagens de forma inadequada, até mesmo criminosa. Exemplos? Fotos e vídeos de crianças nuas, doentes, que identifiquem o local onde moram, a escola onde estudam.

Mas o risco mais comum é o de cyberbullying. Diversos são os casos que ouvimos sobre jovens que são expostas na internet pelos ex-namorados que, muitas vezes magoados com o fim do relacionamento, publicam fotos e vídeos íntimos do casal ou de brincadeiras feitas entre amigos que acabam tomando uma repercussão monstruosa.

– Quem posta uma imagem (ou vídeo) em um site ou rede social deixa de ter o controle sobre sua utilização. No momento que uma fotografia é postada, um grupo de pessoas terá a acesso e qualquer uma delas poderá replicar seu conteúdo e assim por diante. Além disso, quanto maior for a circulação das imagens na web, mais difícil se torna sua exclusão da rede mundial de computadores – explica a Delegada de Polícia da Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos, Greta Moura Anzanello.

Se isso acontecer com meu filho, como devo proceder?
É importante ressaltar que existem mecanismos para tal exclusão em páginas específicas do Facebook e do Google, por exemplo.

Greta explica que, para casos mais extremos, é possível entrar com uma ação de ordem judicial para a remoção dos conteúdos desde que atentem a imagens de abuso sexual infantil ou conteúdo em resposta a solicitações oficiais válidas, tais como notificações de direitos autorais que atendam aos requisitos da Lei de Direitos Autorais do Milênio Digital.

Os pais podem ajudar a proteger seus filhos tomando conhecimento dos riscos relacionados e tomando algumas precauções:

EVITE FOTOS QUE MOSTREM:

…o local de trabalho dos pais
…os filhos nus ou tomando banho
…usando uniforme escolar
…pistas de onde a criança mora
…registro de localização
…que ostentem objetos de valor
…que mostrem cenas engraçadinhas mas constrangedoras
…que mostrem imagens de outras crianças sem autorização dos pais das mesmas

E, principalmente, pense bem antes de postar:
Fotos que serão constrangedoras no futuro
Fotos com legendas que denigrem a imagem da criança como bobinho etc.

PRECAUÇÕES COM OS EQUIPAMENTOS EM CASA:
  • Utilize antivírus tanto no computador quanto no smartphone, mantendo-o atualizado.
  • Utilize senhas fortes.
  • Proteja as pastas em que estão as imagens com criptografia.
  • Evite armazenar imagens em contas de e-mails.
  • Não salve fotos em pen drives, pois são fáceis de perder.
  • Ao apagar as fotografias, não envie apenas para a lixeira: use programa para destruir o arquivo.
  • Utilize verificação em duas etapas em redes sociais e contas de e-mail.
  • Utilize senha nos dispositivos em que forem armazenadas as fotografias

QUEM CONTATAR

Departamento Estadual de Investigação Criminal (DEIC) da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul (PCRS) na Delegacia de Polícia especializada na investigação de crimes cometidos através da Internet, a Delegacia de Polícia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI)
Telefones: (51) 3288-9876 / (51) 3288-9817 e (51) 3288-9818 e 0800 510 2828
Whatsapp e Telegram: (apenas para mensagens de texto): (51) 8418-7814
Site: www.pc.rs.gov.br/denuncie

DEPOIMENTOS

A jornalista Ana Emília Cardoso é casada com o comunicador Marcos Piangers e mãe da Anita, 11 anos, e da Aurora, quatro. O casal já tem, por conta do trabalho, uma superexposição nas redes sociais e, em casa, utiliza com as filhas “o diálogo real e reto”, como define Ana. 

“Eu sempre dou uma olhada nas conversas do WhatsApp com as meninas. A gente conversa tão abertamente sobre todos os assuntos com elas que não temos medo de que vejam assuntos ‘proibidos’ no computador. Sempre falo sobre os perigos pra Anita, num papo reto: não converse com estranhos na internet, na vida real. Seja empática, olhe as pessoas nos olhos, mas não dê intimidade. Com relação à privacidade, tomo dois cuidados básicos: não divulgo endereços que frequentamos, não faço check-in nem posto fotos com insígnias de escola, por exemplo. Não é pelo fato de meu marido ser conhecido, faria isso de qualquer forma. Para proibir o acesso à internet, teríamos que dar exemplo e não tenho uma rotina tão definida para criar leis em casa como “celular só até as 21h”. Prefiro assim: fez o tema? Fez a tua parte nas tarefas da casa? Então, está liberada. A Aurora sonha com o dia em que terá um “SUSSULAR” só dela, com internet ilimitada, claro!

Alessandra Nunes, mãe da Giovana, oito anos, trabalha na área de TI e vê o uso dos aparelhos tecnológicoscomo algo natural na rotina da família.

“A Gi sempre teve muito acesso aos dispositivos desde um ano e meio para 2 anos, acho que até por isso, se tornou algo natural. Não é uma obsessão, que tenho que ficar proibindo ou escondendo celular e tablets. Ela tem tablet, TV smart e celular, mas, ao contrário do que a maioria deve estar pensando, ela, muitas vezes, passa dias sem usar. Sempre que quer ver, acessar ou baixar um app diferente, vem e me pergunta se pode. Ano passado, dei o celular para ela e apresentei o WhatsApp: ela amou, agora tem grupo até dos coleguinhas da escola, onde sempre estou dando uma espiada. O controle é mesmo presencial, estou sempre conversando, perguntando e explicando para ela o que é legal e o que não é. Principalmente, porque agora que ela já sabe ler e escrever, aprendeu a pesquisar no Google e YouTube. Também temos regras sobre os momentos que pode e não pode: por exemplo, hora de estudo, é hora de estudo, aí só pode fazer pesquisa para ajudar no tema ou nos trabalhos. Quanto à exposição, tenho alguns cuidados, mas até por trabalhar com internet, vejo com menos preocupação, pelo acompanhamento e orientações que damos a ela. Apesar de ter apenas oito anos, é uma criança tranquila e madura – a gente explica, coloca os limites, e ela aceita ou nos questiona. Meu maior medo são questões em relação a pornografia e pedofilia, por isso faço tanta questão de acompanhar de perto e de uma forma que ela se sinta segura para conversar com a gente, expor alguma situação ou dúvida.”

Marcisiane Roberta Soares, mãe do Matheus de 4 anos e 7 meses é blogueira de maternidade no blog Odisseia Materna e já lida com a superexposição do filho.

“Ainda não deixo que o Matheus acesse sites. Ele tem liberado o Netflix no perfil dele, onde pode livremente escolher os desenhos. A tevê fica no quarto dele, porém estou sempre de olho, e a porta permanece aberta. Durante a semana, ele assiste TV das 19h às 20h e, nos finais de semana, deixo mais livre. Ele tem tablet, porém utiliza apenas apps de jogos instalados. O controle do que ele assiste é através do meu monitoramento. Sou formada em Magistério, então tenho em mim uma mãe educadora. Como mãe blogueira, tenho cuidado com fotos dele que divulgo tanto por preservá-lo (no futuro quando crescer ele pode querer meu pescoço, hahahaha) quanto por medo de pedofilia. Este é o meu maior medo. Infelizmente, não sabemos onde vai parar um foto divulgada em rede social que pode circular o mundo. Outro medo seria sequestro. Então cuido com as informações de locais onde vamos.”

Christian Buffara é advogado, pai do Gael de três anos e meio e divide com a esposa, Fernanda, a liberação do acesso à internet.

“No inicio, a relação do Gael com a internet era na procura de desenhos antigos como Os Três Porquinhos, Chapeuzinho Vermelho, desenhos mais lúdicos e que não passam com frequência na grade da tv aberta e fechada. Com o passar do tempo, começamos a buscar vídeos de animais tais como cachorros, tigres, leões. Depois, passamos a assistir a vídeos engraçados para descontração e muitas risadas. Hoje, nossa procura na internet está focada em desenhos antigos da época da minha infância como por exemplo He-Man, Liga da Justiça, Thundercats, uma vez que, nestes desenhos, há mais ação do que a violência em relação aos atuais (Vingadores, Hulk…). O acesso a internet é sempre feito junto comigo ou com a Fernanda. Nossa preocupação sempre é evitar que pessoas estranhas tenham acesso às fotos do Gael, restringimos o acesso das publicações aos nossos familiares e amigos, porém sabemos que, mesmo assim, o risco de acesso por terceiros/estranhos é grande.”

Tatiane Gallas, pedagoga, e o marido Vagner Vidal, com os filhos Davi, 3 anos, e Manuela, 10

“Como o Davi ainda é pequeno, ele não usa a internet, só mesmo algumas vezes para assistir a alguns desenhos, e sempre acompanhado, com supervisão. Já a Manu utiliza para fazer pesquisas para as tarefas da escola e também para entretenimento. Procuramos sempre dialogar e explicar que a internet possui coisas boas e outras nem tanto. Oriento sempre, que em caso de quaisquer dúvida, deve perguntar para mim ou para o pai e que, em hipótese alguma, converse com pessoas estranhas. Também considero importante ter um tempo limitado para navegar, mesclando com outras atividades importantes como a leitura, as brincadeiras e também os deveres. Crianças na internet precisam de supervisão de um responsável. Procuramos também filtrar os sites que ela utiliza e estar sempre por perto. Uma olhadinha no histórico de pesquisas do Google se faz necessária para que haja mais tranquilidade. Outra medida que acho importante é adiar e até evitar alguns perfis nas redes sociais. Minha filha criou recentemente, depois de muita discussão e apontamentos, um canal no YouTube e uma conta no Instagram (onde coloca fotos de bichinhos fofos), porém eles são muito supervisionados e monitorados, ela só grava e posta com a nossa presença. Não acessa todos os dias e é monitorada sempre. Tudo com muito controle e sem prejudicar os estudos e outras atividades. A minha preocupação é igual a de outras mães, os perigos que a internet pode proporcionar, como o contato com pessoas má intencionadas, por exemplo. O medo nos acompanha sempre. E ainda temo não conseguir acompanhar tudo o que se está passando com eles. Precisamos ficar alertas e estar presentes para evitar aborrecimentos e outros acontecimentos tristes.”

Por Vanessa Martini | 09-06-2016 às 12h04

Fonte: http://revistadonna.clicrbs.com.br/coluna/brincadeira-virtual-perigo-real-vanessa-martini/

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