A indignação sobre o ultra noticiado caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro motivou reações claramente ilegais nas redes sociais. Há usuários que compartilham prints do vídeo e outros que vão além ao realizar buscas e fazer a divulgação de perfis e dados pessoais dos acusados pela autoria dos crimes. Tal fato nos reporta novamente aos primórdios da humanidade, onde se buscava a justiça vingativa, hoje punida pelo artigo 345 do Código Penal (Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite, detenção de quinze dias, multa mais pena correspondente aos efeitos da violência).
O estupro, a intriga e a miséria comportamental dos seres humanos, afirmam todos, é tema a ser tratado pelo Estado Democrático de Direito. Temos o direito (e dever) de expor as nossas indignações, reflexões e opiniões, mas não é licito ao cidadão comum usurpar o papel da polícia e do Ministério Público na apuração dos dados da fatalidade que se deu com uma jovem (vítima de histórico de violências), sob pena de prejudicar as investigações e atribuir culpa à inocentes. Nada, absolutamente nada justifica a violência sexual, mas a sociedade pode e deve canalizar a ira para movimentos de pacificação de conduta e alteração de comportamento dentro da sua casa, do seu trabalho da sua vizinhança.
Quando o Código Civil determina a responsabilidade dos pais em razão dos atos cometidos por seus filhos, a previsão legal tem um respaldo sociológico. Um belíssimo artigo publicado na Gazeta do Povo, redigido por João Natal Bertotti (leia aqui) demonstra os reflexos positivos de uma família presente, atenta ao cotidiano juvenil. Por óbvio, não existem fórmulas precisas de boa formação do indivíduo, mas a educação e o exemplo positivo, dentro de casa, são entes catalizadores. A delinquência e o crime podem ser reduzidos se as famílias compreenderem o nexo de causalidade entre as condutas domesticas e cotidianas com o comportamento dos jovens. Não é fácil admitir a própria responsabilidade, nem os próprios erros.
A situação remete ao fato de que precisamos nos importar verdadeiramente em formar cidadãos. A percepção de crescimento da intolerância no ambiente escolar, na falta de zelo para com a educação dentro de casa, a despreocupação em se estabelecer limites nos comportamentos das crianças por uma parcela relevante de pais, têm tornado um martírio a vida de educadores.
Os elogios que poderiam ser feitos às iniciativas de mobilização de estudantes por melhorias no ensino são nublados pelo padrão de hostilidade nas negociações, ao se impedir o direito de frequentar aulas daqueles que discordam dos métodos de ocupação e, portanto, no desrespeito à lei quando se apodera de prédios públicos, ofende-se e até agride pessoas, independente de motivos.
A mesma Internet que é veículo para o cyberbullying, pode ser porta para conhecer a lei, boas maneiras, exemplos edificantes de que como podemos lidar com inúmeras questões do mundo moderno e do antigo. Basta se importar com isso.
Enquanto não nos importamos ao ponto de fazer as medidas de proteção à infância e juventude serem, de fato, aplicadas, continuaremos a tomar conhecimento de crianças sendo vítimas de crimes nas ruas e em suas casas, mesmo quando elas mesmas são os autores dos delitos.
Ana Paula Siqueira Lazzareschi de Mesquita é advogada socia do SLM Advogados, membro da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB-SP e idealizadora do Programa Proteja-se dos prejuízos do Cyberbullying. A profissional colabora voluntariamente com o Instituto GRPCOM no blog Educação e Mídia.
O texto acima foi publicado no Jornal Gazeta do Povo
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